O Metro está pacífico. É tarde de Domingo e na maior parte das carruagens há mesmo espaço para todos os ocupantes se sentarem. O que não é habitual na 13, a linha que rasga o intestino de Paris de Norte a Sul entre Chatillon e Asnières, uma das mais carregadas da rede (a mais, creio, à frente da linha 1). Na carruagem há 3 portas laterais, que dão para os bancos posicionados frente a frente no espaço vazio e, ao longo do corredor entre cada duas portas, temos de cada lado, dois conjuntos de quatro bancos laterais. Ela entra pela porta de trás e o discurso, esse sim, é o habitual, a voz alta, incomodativa, berrada:
«Messieurs et Dames, je vous souhaite une très bonne soirée, excusez-moi de vous déranger mais maintenant que les foyers sont fermés je redors à la rue, parce que les foyers sont fermés à cause que l'hiver est fini.
Je vous demande une petite pièce pour m'aider, parce que les foyers sont fermés et je redorm à la rua, j'ai faim, je veux manger, s'il vous plaît, messieurs. Excusez de me déranger, un ticket restaurant, un chèque déjeuner, une petite pièce, merci à tous»
Há pouca gente, ela passa a entrada do meio com o copo das moedas na mão, nos bancos está um casalinho, cada um a ler o seu livro, à frente dois irmãos chinesinhos pequenitos e muito amigos ficam um bocado tristes a olhar, ela passa
(nada)
E recomeça a ladainha, a mesma de todos os dias e ao chegar ao fundo
(ainda nada)
está o metro a chegar à próxima, a parar. Normalmente, ela saíria e iria repetir a ladaínha para a carruagem da frente. Mas o jovem guedelhudo, farto de a ouvir berrar na cara dele, antes de saír berra qualquer coisa que eu traduziria como:
«Foda-se, pára com essa merda, chata, pôrra, sempre a mê'ma merda»
E sai. No metro o ambiente é espesso, os dois chinesinhos ficam agarrados um ao outro, ela regressa, não saiu da carruagem e começa a berrar mais e mais forte aenquanto percorre agora o sentido contrário
«...à cause que l'hiver est fini, messieurs et dames»
No meio, apercebe-se de um pequeno movimento do elemento masculino do jovem casal e salta-lhe à frente da cara, tresloucada, a abanar o copo
«Monsieur, vous avez un petit sou?»
A cabeça do tipo abana e ela vira-se para a namorada, quase em cima dela, a recitar a sua miséria, a chorar e a lançar perdigotos em cima do livro, a berrar e o gajo berra um
«Arrête!!»
que se ouve no vagão inteiro, enquanto a mulher ainda deixa escorrer um fio de baba para a página do livro e a rapariga se começa a levantar.
A mulher regressa para a frente da carruagem, berra resloucada, tenho pena dela - e nojo - e tenho pena dos dois meninos chineses que estão tristes e assustados. Salta para a frente de um chinoca (mais do tipo filipino, diria), mais velho e berra-lhe com força:
«..vous ne savez pas qu'est-ce que c'est la misère, un petit sou...»
E berra e berra até o gajo, gesto brusco de mão, lhe pôr copo com as moedas a voar no meio do carro, ela está doida
«...chinois de mèrde, ...»
No meio da confusão já nem sei que pragas terá rogado ao metro inteiro, a Paris, ao mundo todo que dorme debaixo de telha e tem o que comer, e também aos outros clochards e esfomeados de todo o universo, mas recolheu as moedas para o copo, saíu ;e entrou aos berros na carruagem da frente, mais intensa ainda do que de costume durante ainda três ou quatro paragens...
«Messieurs et Dames, je vous souhaite une très bonne soirée, excusez-moi de vous déranger mais maintenant que les foyers sont fermés je redors à la rue, parce que les foyers sont fermés à cause que l'hiver est fini.
Je vous demande une petite pièce pour m'aider, parce que les foyers sont fermés et je redorm à la rua, j'ai faim, je veux manger, s'il vous plaît, messieurs. Excusez de me déranger, un ticket restaurant, un chèque déjeuner, une petite pièce, merci à tous»
Há pouca gente, ela passa a entrada do meio com o copo das moedas na mão, nos bancos está um casalinho, cada um a ler o seu livro, à frente dois irmãos chinesinhos pequenitos e muito amigos ficam um bocado tristes a olhar, ela passa
(nada)
E recomeça a ladainha, a mesma de todos os dias e ao chegar ao fundo
(ainda nada)
está o metro a chegar à próxima, a parar. Normalmente, ela saíria e iria repetir a ladaínha para a carruagem da frente. Mas o jovem guedelhudo, farto de a ouvir berrar na cara dele, antes de saír berra qualquer coisa que eu traduziria como:
«Foda-se, pára com essa merda, chata, pôrra, sempre a mê'ma merda»
E sai. No metro o ambiente é espesso, os dois chinesinhos ficam agarrados um ao outro, ela regressa, não saiu da carruagem e começa a berrar mais e mais forte aenquanto percorre agora o sentido contrário
«...à cause que l'hiver est fini, messieurs et dames»
No meio, apercebe-se de um pequeno movimento do elemento masculino do jovem casal e salta-lhe à frente da cara, tresloucada, a abanar o copo
«Monsieur, vous avez un petit sou?»
A cabeça do tipo abana e ela vira-se para a namorada, quase em cima dela, a recitar a sua miséria, a chorar e a lançar perdigotos em cima do livro, a berrar e o gajo berra um
«Arrête!!»
que se ouve no vagão inteiro, enquanto a mulher ainda deixa escorrer um fio de baba para a página do livro e a rapariga se começa a levantar.
A mulher regressa para a frente da carruagem, berra resloucada, tenho pena dela - e nojo - e tenho pena dos dois meninos chineses que estão tristes e assustados. Salta para a frente de um chinoca (mais do tipo filipino, diria), mais velho e berra-lhe com força:
«..vous ne savez pas qu'est-ce que c'est la misère, un petit sou...»
E berra e berra até o gajo, gesto brusco de mão, lhe pôr copo com as moedas a voar no meio do carro, ela está doida
«...chinois de mèrde, ...»
No meio da confusão já nem sei que pragas terá rogado ao metro inteiro, a Paris, ao mundo todo que dorme debaixo de telha e tem o que comer, e também aos outros clochards e esfomeados de todo o universo, mas recolheu as moedas para o copo, saíu ;e entrou aos berros na carruagem da frente, mais intensa ainda do que de costume durante ainda três ou quatro paragens...
5 comentários:
C'est la misère...
Ah, meu grrande cabrrão!! Parra a prróxima, atirro-te o copo das moedas au focinhô...
a miséria é uma merda... mas os miseráveis também nos fodem a puta da cabeça!
É fodido dizê-lo e até posso ser injusto mas essa é o tipo de miserável que provavelmente, a determinada altura da sua vida fez as escolhas erradas e acabou dessa maneira... Não é que não deva ser ajudada (todos os miseráveis devem ser ajudados) mas a arrogância não se perdoa. Se existe alguém que é causa directa da miséria em que vive é esse alguém a quem ela deve pedir contas e não a toda a gente indiscriminadamente. Se o estado é esse alguém, então que sejam os símbolos desse estado os visados.
Que loucura!
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