domingo, 19 de abril de 2009

Vélib: Um Problema

Pois é, não é fácil dar por adquirido um transporte público desta natureza:










E pior do que precisarmos de uma bicla e não termos é estarmos montados numa, chegarmos ao nosso destino e não a podermos aparcar:










Solução: Esperar que alguém chegue para levantar uma, ou consultar o sistema em tempo-real que indica as "estações" mais próximas e nos mostra quantas estão disponíveis e quantos pontos livres temos para estacionar.
Logo, facilmente deixa de ser uma alternativa viável para ganhar uns minutos bens contados até à estação de Metro ou RER mais próxima. Em todo o caso, é um serviço interessante e que funciona razoavelmente. Como qualquer serviço sub-contratado a uma empresa privada (a Mairie de Paris entregou-o à empresa de mobiliário urbano JC Decaux) seria perfeito se os recursos fossem ilimitados. Mas quando os recursos são ilimitados não há problema e o que aqui temos é um interessante problema de investigação operacional. Enunciemo-lo, sem conhecer os contratos, as quantias envolvidas e os recursos dedicados.

Temos um objectivo:
  • Disponibilizar aos cidadãos inscritos, por um preço razoável (até meia hora diária é gratuito) e mediante uma caução (150 eypos), bicicletas e pontos de ancoragem em toda a cidade de Paris (agora também banlieue) maximizando (hélas, esta eu adivinho no escuro) o lucro.
Temos restrições de recursos:
  • Espaço livre na cidade, tirando a ocupação com as pessoas, as ruas, os carros, os passeios, as paragens de autocarro, os quiosques, as árvores, as entradas das estações de metro, ...
  • Número de bicicletas disponíveis: todas as que circulam mais as que estão estacionadas e um stock de substituição de avariadas
  • Número de técnicos de manutenção, oficinas, mais os carros de transporte destas para as "estações" e vice-versa.
Temos restrições de mobilidade (as mais interessantes, de que dou alguns exemplos tirados da experiência):
  • Num ponto alto (Ex: Sacré Coeur) é mais fácil estacionar do que levantar uma bicicleta. Guess why...
  • Nos pontos turísticos é mais fácil pegar numa bicicleta do que aparcar.
  • Numa zona residencial, à semana, é mais fácil ter bicicletas ao fim do dia e menos de manhã.
  • De igual modo, numa grande estação de comboio ou de metro, pode ser impossível estacionar de manhã e muito difícil ter uma bicla ao fim da tarde
  • Depois de uma noite de farra, é provável encontrar "estações" em que as 4 ou 5 bicicletas "disponíveis" foram vandalizadas (pneus furados, banco partido ou virado ao contrário - um clássico , e mesmo a aplicação metálica que liga a bicicleta à doca violentamente arrancada)
E mais duas extra:
  • É possivel atracar a bicicleta "em vermelho" segurando-a para vir buscá-la mais tarde (pagando essas horas de "utilização")
  • Já vi uma bicicleta presa com um cadeado pertencente a um chico-esperto na véspera de uma greve geral para tê-la à mão no dia seguinte. Algo me diz que na minha terra isto não seria uma excepção, mas não é por aí que quero entrar.
Se temos um objectivo, alguns recursos e restrições aos mesmos temos um problema ("os pobres não têm problemas, têm preocuipações"). E se temos um problemas temos uma ou várias soluções. A solução óptima está algures, mas pode não ser a perfeita ("a solução óptima fora do prazo ou orçamento não é solução").

Vamos imaginar o primeiro momento após a instalação: como é que se terá iniciado o serviço?
  1. Imagino todos os pontos de ancoragem ocupados com reluzentes bikes. E eu tiro a primeira bicicleta em, digamos, Boulevard Montparnasse para ir ver, suponha-se, a Torre Eiffel. É óbvio que, se eu for o único, nestas condições, nunca poderei estacionar perto da torre, mas sim no exacto ponto de partida. Mesmo que possa imaginar que foi imediatamente gerado um bom fluxo de utilização, prefiro imaginar que
  2. Não foram instaladas bikes em todos os pontos de atracagem e o arranque permitiu aos primeiros ciclistas Vélibertários sair de um ponto e estacionar num outro, ganhando-se assim a adesão do público oferecendo não só os veículos como pontos de estacionamento distribuídos por esta plana cidade.
Algo me diz que eles foram mais longe e optaram por uma estratégia de compromisso enchendo, por exemplo, todos os parques em Montmarte e deixando bastantes pontos livres no sopé da colina, em Pigalle, por exemplo.
É evidente que nunca seria possível ter um fluxo auto-regulado em que musculosos Sísifos subiriam a montanha com aquele cestinho a pesar como uma rocha para colocar o nosso velocípede no miradouro onde Claude Lelouch encontrou certo dia a sua amada.
Entra aqui um detalhe importante (que imagino difícil de acordar contratualmente e de complicado controlo) no nível de serviço prestado:
  • O transporte de bicicletas entre pontos, equilibrando a oferta e a procura, utilizando a mesma carrinha que recolhe as avariadas. "Mão Invisível"? "Auto-Regulação"? Hummmm... sem algum proteccionismo não vamos lá!
Com os dados que temos já poderíamos fazer alguma coisa mas há aqui um detalhe: os pontos de estacionamento informam uma central de todos os pontos disponíveis e ocupados em todos os aparcamentos. Isto é, à distância da internet eu posso saber em tempo-real a disponibilidade de veículos em qualquer ponto. Já agora, posso saber o mesmo num posto existente em cada parque de estacionamento.

Isto leva-me à minha questão principal, mas uma coisa é certa: TEMOS CONTROLO.
O Maire e a sua equipa podem avaliar a qualidade de serviço da JCDecaux e exigir a intervenção de veículos de transporte. Como é que eu o faria? Ou seja, como é que eu traduziria no contrato a necessidade de ter bicicletas + estacionamento disponível diariamente? Com que indicadores avaliálo? É questão a que tentarei responder quando pensar uns minutos no assunto. Sim, porque uma coisa é sabida por todos os matemáticos, filósofos ou deputados de qualquer oposição:
É mais fácil dar resposta a um problema do que colocar uma boa questão!

Agora, se me permitem, vou pedalar.

6 comentários:

gnç disse...

ora aí está sr. engº. já vi que continuas com as correias cerebrais bem oleadas.
como diz o engº belmiro dos supermercados , "um engº que ao fim de 10 anos ainda trabalha em engenharia e não em gestão é um fracasso"...tu ainda vais em meia duzia de anos e já só pensas em cacau!

Amil Neila disse...

Eu acho que nunca trabalhei mesmo em "engenharia".
Aliás, eu detesto engenharia, como bem sabes.
E também viveria perfeitamente sem gestão...

everything in its right place disse...

este post merece vários comentários.

um é: saca este software de simulação.
é muito interessante. defines as fórmulas de saídas e chegadas com distribuições normais, aleatórias, etc, e, se o fizeres suficientemente bem, consegues em média ver quanto tempo tens que esperar para levantar a Velib no Sacré Coeur.

a outra: acabei de pedalar uma hora e o raio da bina não saiu do sítio. nem o eurotrancedance com retalhos de rock speedado sempre a rebentar nas colunas fez com que a coisa se movesse um milímetro! mas suei mais do que se subisse o Sacré Coeur com o tal cestinho! (cestinho, lol, que panasqueira!)

e ainda outra: quem quer uma coisa daquelas para andar em cidade quando tem uma coisinha azul-eléctrica com uma rock shox, pedais de encaixe, shimanos deores breaks e afins para andar no meio do monte?

só mais uma coisa: anda lá, pá, vem para cá com o guito que foste ganhar para essa parvalheira e compra-me um gel de barbear, que o que era o teu já está a acabar e estou a precisar de outro!!!
:o)

Amil Neila disse...

Dasss, tava bem a contar com esse gel. Agora já fechei a mala! Barbão?

nuno disse...

os bancos ao contrário são o código dos utilizadores para assinalar problemas na vélib aos técnicos.

Amil Neila disse...

Obrigado pela info, Nuno, está bem achado!!