Na altura não era como agora. Ver concertos grandes em Portugal era uma miragem e ainda mais se se tratasse de uma banda alternativa (ou relativamente alternativa). Em 90, estiveram em Alvalade os Stones e o Bowie, e um "junkie" da minha turma foi ver os dois. Como se não bastasse adorar aquele gajo com cara de rebelde, mas muito fixe, que bebia croft antes de ir para uma aula de matemática do 9º ano, e que snifou coca no livro de francês com quinze anos, antes de uma dura passagem pela maldita heroína, ele ainda tinha possibilidades de ir ver Bowie e trazer a t-shirt.
Mas as letras a esferográfica nas capas dos meus cadernos da altura só repetiam, com uma caligrafia ou outra, as duas palavras mágicas: THE CURE.
Nesse ano fizemos um jornal de turma (teve um número) e o editor musical (moi) escreveu sobre os Cure. A banda sonora da minha deprê adolescente, das mocas, do recreio no almoço, das saudades do futuro que nunca mais chegava era o Pornography. O walk-man que ia comigo no carro ou a pé tinha o "The Top". A agulha do gira-discos quase furou o " Disintegration". A viagem a Bristol em noventa deu-me o Kiss Me (capaz de agradar a gregos e a troianos, lembras-te, Fora?). A minha mesada chegou a comprar o "Mixed Up", chachada electrónica a partir de hinos indestrutíveis.
Lembro-me como se fosse hoje do tipo pôr a tocar o Pictures Of You na discoteca do Dallas para eu ouvir e lembro-me da frase que ele "picou":
«Remembering You
Standing quiet in the rain
As I ran to your heart to be near
And we kissed as the sky fell in
Holding you close
How I always held close in your fear»
E lembro-me do "Plainsong"; do "Wailing Wall" e do "Empty World" na introspecção dos treze anos; e do "Shake Dog Shake" ao vivo; o próprio "The Top"; sei que é impossível não me passar ao ouvir o "Kiss" (para gregos?) com a sua entrada de 4 ou 5 minutos de guitarras; ou o "If Only Tonight We Could Sleep"; já trabalhei duro a ouvir o "Faith"; e afiambrei-me à cassete do "Seventeen Seconds" de um metaleiro (!!!!) que, apesar das diferenças, respeitava o meu ódio aos "popeiros" em geral.
Tive cassetes que foram substituídas por cêdês, e vinis que foram posteriormente sacados, perdi álbuns que fui buscar à net, gravei vídeos e clips e depois comprei o mixed up. E, de repente, saíu o Wish e aquilo não me disse nada.
Lembras-te do salão do colégio, Filipe? Era sexta-feira, seis e meia, e tinham acesso livre os indivíduos ou turmas que faziam aquilo a que generalizando se pode chamar "portar mal". Deste-me um desenho do Robert. Tenho a certeza de que o guardei dentro de um qualquer livro de uma anacrónica, inútil e aborrecida disciplina, mas não sei qual nem qual, há-de perecer entre a trigonometria e a metáfora, ao lado do Infante ou do desenho de um circuito de emissor comum, mas sobrevive na nossa (a pergunta era retórica) memória.
Está lá o Robert com o mesmo cabelo, a mesma camisa, a mesma maquilhagem, que estaria usando em Alvalade, que vi depois em outras andanças (uma coisa não invalida a outra) e que cortei de fotos de revistas para colar em cadernos e em t-shirts.
Epílogo: Um dia vou morrer. Nesse dia, talvez não tenha testamento, talvez não tenha ouvido música, talvez não me tenha preparado (de certa maneira, assim o espero), talvez não tenha deixado escrita e guardada a minha lista das 10 canções da minha vida.
Mas a primeira é seguramente o One Hundred Years.
Próxima Edição: Guns n' Roses - Alvalade - LISBOA 1992
Mas as letras a esferográfica nas capas dos meus cadernos da altura só repetiam, com uma caligrafia ou outra, as duas palavras mágicas: THE CURE.
Nesse ano fizemos um jornal de turma (teve um número) e o editor musical (moi) escreveu sobre os Cure. A banda sonora da minha deprê adolescente, das mocas, do recreio no almoço, das saudades do futuro que nunca mais chegava era o Pornography. O walk-man que ia comigo no carro ou a pé tinha o "The Top". A agulha do gira-discos quase furou o " Disintegration". A viagem a Bristol em noventa deu-me o Kiss Me (capaz de agradar a gregos e a troianos, lembras-te, Fora?). A minha mesada chegou a comprar o "Mixed Up", chachada electrónica a partir de hinos indestrutíveis.
Lembro-me como se fosse hoje do tipo pôr a tocar o Pictures Of You na discoteca do Dallas para eu ouvir e lembro-me da frase que ele "picou":
«Remembering You
Standing quiet in the rain
As I ran to your heart to be near
And we kissed as the sky fell in
Holding you close
How I always held close in your fear»
E lembro-me do "Plainsong"; do "Wailing Wall" e do "Empty World" na introspecção dos treze anos; e do "Shake Dog Shake" ao vivo; o próprio "The Top"; sei que é impossível não me passar ao ouvir o "Kiss" (para gregos?) com a sua entrada de 4 ou 5 minutos de guitarras; ou o "If Only Tonight We Could Sleep"; já trabalhei duro a ouvir o "Faith"; e afiambrei-me à cassete do "Seventeen Seconds" de um metaleiro (!!!!) que, apesar das diferenças, respeitava o meu ódio aos "popeiros" em geral.
Tive cassetes que foram substituídas por cêdês, e vinis que foram posteriormente sacados, perdi álbuns que fui buscar à net, gravei vídeos e clips e depois comprei o mixed up. E, de repente, saíu o Wish e aquilo não me disse nada.
Lembras-te do salão do colégio, Filipe? Era sexta-feira, seis e meia, e tinham acesso livre os indivíduos ou turmas que faziam aquilo a que generalizando se pode chamar "portar mal". Deste-me um desenho do Robert. Tenho a certeza de que o guardei dentro de um qualquer livro de uma anacrónica, inútil e aborrecida disciplina, mas não sei qual nem qual, há-de perecer entre a trigonometria e a metáfora, ao lado do Infante ou do desenho de um circuito de emissor comum, mas sobrevive na nossa (a pergunta era retórica) memória.
Está lá o Robert com o mesmo cabelo, a mesma camisa, a mesma maquilhagem, que estaria usando em Alvalade, que vi depois em outras andanças (uma coisa não invalida a outra) e que cortei de fotos de revistas para colar em cadernos e em t-shirts.
Epílogo: Um dia vou morrer. Nesse dia, talvez não tenha testamento, talvez não tenha ouvido música, talvez não me tenha preparado (de certa maneira, assim o espero), talvez não tenha deixado escrita e guardada a minha lista das 10 canções da minha vida.
Mas a primeira é seguramente o One Hundred Years.
Próxima Edição: Guns n' Roses - Alvalade - LISBOA 1992
6 comentários:
Estava a precisar de ler algo do género... e superou as expectativas!
Vem-me à memória a imagem de um puto franzino com o polegar esticado ao receber um desenho do RS... e depois "Troia" inverteu a história!
Grande abraço!
Ao chegar à imagem do post, já pensava: "O quê? Ele não fala da One Hundred Years?!?" Ia ser o meu comment. E depois veio o Epílogo...
Nada a dizer. Fucking perfect!
Não foi à toa que te dei um álbum de Cure ao vivo chamado "Paris"!
;o)
Eu confesso que a minha Cure-mania é muito limitada, resumindo-se a algumas músicas - verdadeiramente épicas! -, mas também algumas embirrações. Mas parece-me haver aqui uma hipótese de consenso, que é quanto à "arte da posta" - em grande! Mesmo!
Ó Filósofo, deixas-me com baba, é o mesmo que o Nadal dizer que me curte mesmo ver a jogar ténis ou o Hamilton achar que eu conduzo mesmo bem. Bem, pensando bem, neste último caso é possível.
Que fixe Touze! Se fores desta para melhor antes de mim (daqui a uns 50 anos, claro), havemos de ter um enterro como nos filmes americanos: um bando de velhos e outros não tão velhos a ouvir o One Hundred Years... Bem, e se for eu antes de ti, alguém há-de encarregar-se da coisa de qualquer maneira... :)
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