sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Leaving Paris

Quando cá chegámos, o prédio em frente – cuja janela era visível da nossa sala, acabava de acolher um bébé. Das nossas noites de filme e cerveja podíamos apreciar a luta por um sono sossegado de choros de recém-nascido. A minha missão deveria durar até essa menina fazer três anos.

Sempre quis imaginar o dia em que deixasse Paris como uma morrinha de doce tristeza, lágrima ao canto do olho fixo em paisagens do meu quotidiano, a pena de deixar uma cidade por que me apaixonara.

Aquele bébé é hoje uma menina de cinco anos, desenhos de côr dão alegria às paredes daquela sala que ainda vejo. A minha estadia foi prolongada. A rapariga da frente, do outro lado da rua, aquela que passava a ferro na sua sala enquanto eu fumava um cigarro à janel, já se mudou há uns dois anos. O tempo passa rápido.

O Forum des Halles entrou em obras, aquela estrutura glauca e deslocada de uma zona tão nobre de Paris vai tornar-se um espaço mais arejado, moderno mas sem vergonha de se apresentar a dois passos do Pompidou, perto da Rue de Rivoli. É suposto que, se um dia vir o trabalho acabado, já não viva por cá e esteja apenas de visita. A menos que um imprevisto me faça ficar por cá mais algum tempo. Afinal, o tempo passa rápido.

Gostaria de, no dia em que embalar os meus caixotes, sentar-me a chorar na relva da Avenue de Breteuil, ir encostar-me ao balcão da Pont Neuf, ver os tectos de Paris da varanda do Sacré Coeur, beber um mojito em Saint Germain-des-Près. Não quero imaginar que tempo fará. Mas se meobrigarem a escolher, quero que esteja cinzento mas sem chuva (quero poder sentar-me naquela relva). Quero deitar-me na cama de um quarto despido dos nossos quadros, gavetas vazias das nossas roupas.

Entretanto fiquei sózinho, não sei se estarás comigo nesse dia. O que significa que estarei sem os amigos que não fiz (nunca fiz) desde que partiste. O que acrescentará à doce melancolia que queria sentir um frio manguito a uma (so)ci(e)dade que nunca verdadeiramente me acolheu e que eu nunca consegui verdadeiramente querer integrar. Os cabelos brancos que comecei a ter aqui terão conquistado algum terreno na minha cableleira negra. No meu rosto, imagino a seriedade que frequentemente passeio por aqui, mesmo quando imagino que um sorriso esforçado se apresenta a quem passa. Mas ninguém o vê. Não consigo sorrir quando estou só. Não hoje. Talvez nesse dia.

Talvez nesse dia seja um outro homem, mais aberto aos outros, menos cínico, mais confiante e mais sereno. Menos egoísta mas também menos sentimental. Mas provavelmente serei exactamente igual porque leva tempo a mudar e o tempo passa rápido.

Mas ninguém sabe o dia de amanhã e a vida é salpicada de imprevistos, coisas boas e coisas más; decidimos por vezes, deixamo-nos levar de vez em quando, nadamos num mar calmo ou somos arrastados por ondas imensas.

Por isso, com medo, com tristeza, com esperança, com desilusão, com orgulho, com insegurança, com satisfação, com um leque de sentimentos contraditórios, continuo a imaginar o dia em que deixarei Paris. Será em breve. O tempo passa muito rápido.

2 comentários:

EiiRP disse...

O botão de like? (é que não dá para dizer nada...)

Bartleby disse...

Lá vais afinando a tua escrita. Sentimental qb - enfim, o texto é sobre sentimentos - mas também fortes imagens que nos aproximam desses lugares e percursos que são os teus. Em grande Touze! Abr