Quando cá chegámos, o prédio em
frente – cuja janela era visível da nossa sala, acabava de acolher um bébé. Das
nossas noites de filme e cerveja podíamos apreciar a luta por um sono sossegado
de choros de recém-nascido. A minha missão deveria durar até essa menina fazer
três anos.
Sempre quis imaginar o dia em que
deixasse Paris como uma morrinha de doce tristeza, lágrima ao canto do olho
fixo em paisagens do meu quotidiano, a pena de deixar uma cidade por que me
apaixonara.
Aquele bébé é hoje uma menina de
cinco anos, desenhos de côr dão alegria às paredes daquela sala que ainda vejo.
A minha estadia foi prolongada. A rapariga da frente, do outro lado da rua,
aquela que passava a ferro na sua sala enquanto eu fumava um cigarro à janel,
já se mudou há uns dois anos. O tempo passa rápido.
O Forum des Halles entrou em
obras, aquela estrutura glauca e deslocada de uma zona tão nobre de Paris vai
tornar-se um espaço mais arejado, moderno mas sem vergonha de se apresentar a
dois passos do Pompidou, perto da Rue de Rivoli. É suposto que, se um dia vir o
trabalho acabado, já não viva por cá e esteja apenas de visita. A menos que um
imprevisto me faça ficar por cá mais algum tempo. Afinal, o tempo passa rápido.
Gostaria de, no dia em que embalar
os meus caixotes, sentar-me a chorar na relva da Avenue de Breteuil, ir
encostar-me ao balcão da Pont Neuf, ver os tectos de Paris da varanda do Sacré
Coeur, beber um mojito em Saint Germain-des-Près. Não quero imaginar que tempo
fará. Mas se meobrigarem a escolher, quero que esteja cinzento mas sem chuva
(quero poder sentar-me naquela relva). Quero deitar-me na cama de um quarto
despido dos nossos quadros, gavetas vazias das nossas roupas.
Entretanto fiquei sózinho, não
sei se estarás comigo nesse dia. O que significa que estarei sem os amigos que
não fiz (nunca fiz) desde que partiste. O que acrescentará à doce melancolia
que queria sentir um frio manguito a uma (so)ci(e)dade que nunca
verdadeiramente me acolheu e que eu nunca consegui verdadeiramente querer
integrar. Os cabelos brancos que comecei a ter aqui terão conquistado algum
terreno na minha cableleira negra. No meu rosto, imagino a seriedade que
frequentemente passeio por aqui, mesmo quando imagino que um sorriso esforçado
se apresenta a quem passa. Mas ninguém o vê. Não consigo sorrir quando estou
só. Não hoje. Talvez nesse dia.
Talvez nesse dia seja um outro
homem, mais aberto aos outros, menos cínico, mais confiante e mais sereno.
Menos egoísta mas também menos sentimental. Mas provavelmente serei exactamente
igual porque leva tempo a mudar e o tempo passa rápido.
Mas ninguém sabe o dia de amanhã
e a vida é salpicada de imprevistos, coisas boas e coisas más; decidimos por
vezes, deixamo-nos levar de vez em quando, nadamos num mar calmo ou somos
arrastados por ondas imensas.
Por isso, com medo, com tristeza,
com esperança, com desilusão, com orgulho, com insegurança, com satisfação, com
um leque de sentimentos contraditórios, continuo a imaginar o dia em que
deixarei Paris. Será em breve. O tempo passa muito rápido.
2 comentários:
O botão de like? (é que não dá para dizer nada...)
Lá vais afinando a tua escrita. Sentimental qb - enfim, o texto é sobre sentimentos - mas também fortes imagens que nos aproximam desses lugares e percursos que são os teus. Em grande Touze! Abr
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