domingo, 30 de outubro de 2011

Coincidences come in packs of three

O ambiente é animado, concertos na cave de um bar depois de uma cervejinha esperta num bistrot simpático. A malta parece estar contente. A primeira banda dá-me pica. É incongruente, demasiado para ser verdade, mas isto é verdade: uma Fender Telecaster, uma Jazzmaster (ou Jaguar, não me lembro) e uma camisola dos Joy Division cantam um Hardcore que faz lembrar SOD ou Biohazard ou algo assim. Junto com o facto de eles terem perto da minha idade, se eu não tivesse ouvido o som deles, diria que iam tocar umas versões de Smiths, Interpol, Cure ou Bauhaus. Mas não. Não mesmo. A seguir veio outra banda. E outra. E a malta ia bebendo umas cervejas. Até dava para ir a um bar ao lado e voltar passado um bocado. No stress! Mas no outro grupo parecia que começava a haver qualquer coisa. O Matteo, sempre calmo e cordial, parecia ter ficado embatucado com alguma coisa que tinha acontecido. Separámo-nos deles. Mais um copo. Ainda é cedo, quando se consegue aproveitar (e se se avançar o jantar, ou comer uma sande com uma das súrbias) o tempo rende bem. O primeiro copo pode bem ter sido pelas sete. Às dez os concertos estão arrumados e ainda dá para ir a um sítio ou outro antes do último metro. E era aqui que eu queria chegar. A um metro. A cena é apanhar o último metro que nos permita ainda trocar de linha no último metro da nossa direcção. Se não, tentar chegar o mais perto possível para pagar menos de táxi.
Entro então às duas menos quê numa carruagem atolada. Um parêntesis (e já agora dois pontos, parágrafo, travessão:
- Paris é uma cidade com muita gente, e com muita gente que vem e vai. Não há cromos repetidos. A não ser os malucos do meu quarteirão e uma ou outra cara que se apanha na estação do trabalho às horas de entrada do trabalho, mais as pessoas das lojas, é impossível ver uma cara no metro e ter a certeza que se há-de cruzá-la uma outra vez. E mesmo que se queira apanhar a mesma linha de metro à mesma hora, no minuto preciso ainda teria que acertar na carruagem. E fecho aqui este).

Ando zonzo a escolher um banco para sentar, puxo de uma revista (tinham-me trazido uma Pública) e afundo-lhe os olhos enquanto me passa um bocado a tontura. À minha frente ouço um casal a conversar, a língua parece estranha, mas muito familiar ao mesmo tempo. Vejo que é português, pergunto-me de onde será este sotaque, aposto quase que é de São Tomé ou Cabo Verde, mas com anos já de Portugal. Ela criticava-o por ele ter bebido demasiado, ele brincava, ela amansava, andavam pela cinquentena... O gajo às tantas liga para alguém e faz a velha palhaçada do "Ça va? Nous sommes à Paris: Estation Concorde... Estivemos a beber champagne" etc etc (um francês nunca diria isto assim, digo mentalmente a mim mesmo enquanto olho verdadeiramente para a cara do gajo). Olho sempre para as pessoas, gosto de ver gente. Mas não estava com disposição para falar com ninguém, tento baixar a revista portuguesa que está no meu colo quando vejo que é o senhor Joaquim, antigo dono do bar da Estação Litoral da Aguda onde tantas vezes ia tomar café. Creio que saíram numa estação antes de mim sem lhe ter falado...
Quando troco de metro há umas dezenas de pessoas a entrar a correr (a tal ginástica dos últimos metros), sento-me com a mesma revista num banco e os outros três dão ocupados por um grupo. Desta vez não há que enganar. Falam com sotaque lisboeta. Consigo perceber que um deles está cá há uns meses e os outros estão de visita. A conversa está pejada de lugares-comuns (daqueles lugares-comuns em que todos nós incorremos quando estamos cá por fora). Às tantas falam das catacumbas. "Sabias que há uns túneis por baixo da terra onde os gajos se escondiam durante uma guerra qualquer?"; "Na revolução francesa?"; "Sim, acho que é essa merda". E por aí fora... O enjôo ainda não me tinha passado quando desço em Montparnasse, tão perdido quanto eu vejo o Matteo que corre para o sentido inverso do cais do metro, cara afogueada, speed. Vi a cara dele aparecer no meu cérebro já depois de ter passado. Finjo que não o vejo. Creio que ele fez o mesmo...

1 comentário:

Ev disse...

Morda-se, não conseguiste cumprimentar o senhor Joaqui... :(