quarta-feira, 8 de junho de 2011

Descanse em Paz

Foi Bartleby quem me deu a conhecer a sua obra. Foi graças a Yellow Cab que o conheci. Sim, tive o prazer de lhe apertar a mão, de lhe falar, de o fazer assinar um livro. De o ouvir falar sobre a sua vida e a sua experiência. E sobre a última (neste caso, no sentido mais estrito do termo) das suas obras.

Jorge Semprún viveu sete vidas, vinte vidas, cinquenta vidas. Viveu mais do que qualquer um de nós possa (ou mesmo queira) aspirar a viver.
Admiro-o e respeito-o - quase o amo - e vou continuar a admirar e respeitar até ao fim da minha própria vida.

Se estiveres a passar neste blog e a ler este post faz um favor a ti próprio e presta uma homenagem a este grande homem: lê os seus livros. Lê apenas "A Escrita ou a Vida". Depois podes pegar n' "O Adeus de Frederico Sanchez". E depois irás por aí fora.

De manhã, a surpresa quando a televisão francêsa o anunciou. Nos rodapés referiam a morte de l'écrivan espagnol. Para quem tanto se apropria (o mais das vezes no bom sentido) da cultura dos "outros" é curioso que assim tenham referido alguém que escreveu parte (e boa parte) da obra em Francês. Alguém que tenha participado na Resistência Francêsa com uns 17 ou 18 anos, que tenha sido por isso deportado para o campo de concentração de Buchenwald e que de lá tenha saído com vida, alguém que viveu e acabou por morrer em Paris. Mas que depois dessa experiência-limite na mão dos Nazis se tornou clandestino contra Franco, que acabou por ser expulso do PC espanhol, que foi ministro da Cultura em Espanha e que viveu quantas mais vidas que não suspeito sequer.

Vejam a fotografia. É curioso que sempre que o vejo em fotografia penso "que homem bonito". Quando andei por Madrid e corria algumas ruelas perto do meu Hotel à noite, sempre olhava para o nome das ruas e pensava se ele as teria calcorreado. Juro que é verdade. Quando fui ao Prado, pensei nas visitas que ele lá fazia ainda criança. Em Paris lembro-me dele a cada passo. Quando leio sobre os campos de concentração ou apanho um documentário é nele que penso. E o mesmo se me falam de terrorismo russo (Netchaiev) ou de Trotsky (Ramón Mercader). E por vias travessas, se me falarem do Proust e da usa Recherche é de Semprún que me lembro primeiro. Agora posso lembrar-me do seu ar curioso quando nos perguntou em que língua estava escrito o livro que lhe apresentávamos para assinar.

E para além de tudo posso continuar a admirá-lo e a respeitá-lo e fazer por outros o que o Zé Novo fez por mim: emprestar aquele livro.

4 comentários:

DomingonoMundo disse...

Fora da literatura de testemunho, que ele escreveu mais correntemente, li "20 anos e um dia", que achei de mestre. Chegaste a ler? Se não, posso levá-lo de férias...

Amil Neila disse...

Sim, já li. Há outra referência nesse livro (que li por Barcelona, creio) que me vem sempre ao espírito: O quadro de "Judite decapitando Holofernes". Mas vai pensando na minha leitura de férias hehe, agradeço

Anónimo disse...

Que texto lindo! ;)

bartleby disse...

É... diz-se muitas vezes que um livro mudou a nossa vida... eu não sei se alguma vez um livro mudou a minha vida ou se o que estava no livro era uma parte de mim, ou do que teria sido (ou serei) se as circunstâncias fossem outras... não sei... mas, e é por aqui que concordo tanto contigo no teu magnífico texto, estes livros e os seus autores parece que ficam connosco para sempre. E sentimos sempre mais isto quando somos seus contemporâneos e os vemos partir: Vergílio Ferreira, Cardoso Pires, Albert Cossery, Jorge Semprún... lá se foram... mas ficaram.