domingo, 28 de fevereiro de 2010

Matignon

A residência oficial do Primeiro-Ministro é o Palácio de Matignon, no septième. Um enorme palácio com magníficos jardins no coração da cidade. Alguns primeiros escolheram usá-la apenas para trabalho, indo dormir ao conforto da família. Outros preferirammudar-se para lá, estar sempre no centro das operações. Não consta que algum lá tenha criado galinhas.
Num regime presidencialista como o Francês, o titular da função é nomeado pelo Presidente (e destituído por este, como se de uma vulgar remodelação ministerial se tratasse). A duração média da função na 5ª República é de uns 3 anos. A exigência é enorme, como se calcula. Dirigir os Conselhos de Ministros; balançar entre dossiers diferentes de hora a hora com a ginástica intelectual e a força mental a que o exercício obriga; respeitar as ingerências dos presidentes. Creio que a pressão acresce, em relação ao homólogo Português, devido a dois factores:
  1. A falta de legitimidade eleitoral: sendo nomeado pelo presidente, tem nele um verdadeiro superior hierárquico e dificilmente poderá exercer o poder executivo em divergência. Um primeiro-ministro de Pompidou decidiu apelar a uma moção de confiança no Parlamento. Tendo-o feito e tendo saído vitorioso foi seguidamente demitido (e substituído) por ter (uma vez mais, no caso) desafiado as fronteiras da sua relação com o Presidente. E, logo, novo PM nomeado. E pronto. Compare-se com o caso Português: mesmo com direito a demitir um governo, o PR pode ver a sua decisão "revogada" pelo povo nas eleições que daí decorrerem, como aconteceu com Cavaco em 87. Para além do próprio facto de termos que marcar eleições e aguentar um governo de gestão de algumas semanas ou mêses.
  2. A dificuldade em realmente formar um governo fiel. Na constituição Francêsa está escrito que o PM propõe uma equipa de governo que será nomeada pelo PR. Na verdade, não raras vezes, o PR sopra uns quantos nomes ou chega mesmo a dar uma lista completa ao seu primeiro. Isto obriga a que se tenha que dirigir um governo de ministros caracteriais, ambiciosos, insubmissos e com um capital político tão ou mais importante que o do chefe (veja-se Sarkozy ministro de Villepin ou - hoje - Copé, Kouchner, Besson, ministros de Fillon). Daqui, dificuldades previstas na arbitragem. E as remodelações partem frequentemente do PR e não do chefe de governo.
Também pode acontecer que um PR tenha que nomear um PM de cor política diferente da sua, de acordo com uma maioria na assembleia de um determinado partido. Neste caso terá que gerir cuidadosamente a relação, conforme os calendários eleitorais e o barómetro das sondagens. Alguns PR têm, mesmo dentro do partido, adversários perigosos. Chirac tentava nomear pessoas de confiança absoluta (Juppé) ou tão fiéis e frontais para com ele (Villepin) que não lhe pudessem causar surpresas. Já Miterrand neutralizou o seu principal adversário político, Michel Rocard, oferecendo-lhe o cargo. Numa estória saborosa à la Miterrand, chamou os 3 principais "candidatos" ao lugar a um almoço (No Eliseu? Em Matignon?). Durante todo o almoço nem sequer tocou no assunto. Conversa era o que não faltava a Miterrand e era fácil para ele manter vivo um almoço em qualquer situação. No fim (na altura do queijo? depois da sobremesa) abriu o jogo. Disse que sabiam todos por que razão ali estavam e olhando de frente um dos seus melhores amigos da época (nome...?) disse mais. Algo como: "nem sempre se nomeia para a sua equipa o homem mais competente, o amigo mais dedicado, a pessoa que transmite mais confiança. Para estes cargos nomeia-se a pessoa de acordo com o momento político". E chamou Rocard, enquanto a cara do seu amigo mudava de cor sucessivamente.
Acabou por despedi-lo cedo. Pediu-lhe para apresentar a demissão certa manhã. À objecção de que iria entrar em Conselho de Ministros e havia decisões em curso e ao pedido de estabelecer um calendário para a demissão, Miterrand respondeu: Esta manhã. E depois apareceu na televisão, ar angelical, a explicar que o primeiro-ministro lhe tinha pedido a demissão inesperadamente.
Há ainda os Visiteurs du Soir, visitantes nocturnos, pessoas com influência junto do PR que têm acesso ao Palácio de Matignon e o usam para fazer pressão junto do PM.
Por estas razões, uma vez terminada a função, os ex-titulares referem a sensação de liberdade imediata (um ex-PM de Giscard que pegou imediatamente no seu boca-de-sapo para fazer Paris sem escolta e ao parar nos vermelhos via os condutores do lado a esbugalharem os olhos e acenarem) ou o longo tempo necessário para ultrapassar a depressão, o outro lado do excesso de adrenalina vivido durante o quotidiano recente.

Mas nada que dure para sempre. Afinal, eles também são políticos.

4 comentários:

Taxi Driver disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Taxi Driver disse...

Não deixa de ser estranho o facto do PR nomear o PM. Ainda com o risco que os nossos candidatos representam, prefiro um PR que é mais uma imagem e pouco faz (sobretudo quando se trata de um Cavaco Silva)e um PM eleito.

gnçº disse...

está mais que visto- os teus neurónios estão a reproduzir-se em grandes quantidades. assustador.
estão com falta do alcool em excesso nas noitadas do pportugal

um abraço

Amil Neila disse...

Heeeee Gonça, benvindo de novo (há c'anos).
Mas não me insultes, s'il te plaît, Super Bock não me tem faltado... Já o Sol, o Mar e os Amigos, puta que pariu...