domingo, 13 de setembro de 2009

Serviço Público: Como passar uma camisa a ferro

O Paris Mosh é serviço público. Este texto vai comprová-lo. Expondo-se a vários perigso, perdendo umas boas horas do seu fim de semana, aplicando esforço físico e mental, este vosso criado apresenta-vos:

O Manual de Bem Passar Camisas a Ferro

Uma camisa não tem vantagens. Só a usamos porque tem que ser. E o que tem que ser tem muita força. Ponto final. Preferimos vestir uma simples t-shirt ou uma sweat. É simples. É bonita. Não dá trabalho a escolher, lavar ou passar a ferro. E podemos meter uma camisola por cima se tivermos frio. Mas no nosso trabalho, são as camisas que temos que suar. E quando as suamos, metêmo-las na máquina, acertamos o programa certo com o detergente indicado e depois vem o pior: engomá-la...

Os preliminares:

Não use máquina de secar. Passar uma camisa é uma complicação. Passar uma camisa completamente seca é tortura, é trabalho ingrato e mal sucedido. Tire a camisa ainda molhada da máquina e estenda-a a secar, de forma a deixá-la desde logo o mais direita que lhe for possível. Tente recolhê-la ainda um nadinha húmida. Facilita. Mas antes ainda...
Encha um copo da sua bebida favorita. Alcoólica, claro. Mas não demasiado. Eu gosto muito de vodka limão, mas para isto não serve. Passar a ferro aquece. E bebe-se muito. Não queira acabar a segunda camisa a cantar, a cambalear e a fazer tudo ao contrário. A menos que seja estilista ou pintor, casos em que uma camisa toda torta não é desleixo, é atitude. Em suma, é melhor que seja uma bebida fresca. Cerveja serve perfeitamente. Sirvamos, pois.
Instale um CD. Ponha alto. A música é sempre boa companheira e ouvir um bom álbum dá-lhe a impressão de que o tempo que passa a passar (bonito!) não é completamente perdido. Metal serve perfeitamente. Carregue em "play".

O equipamento:

A tábua de passar vulgar é a tábua a utilizar. Também não conheço outras. Quanto ao ferro, não use o tradiciona. A sua avó desenrascava-se na boa com ele. Mas a sua avó não ia para noitadas com os amigos, não gostava de passear à beira-mar e não tinha muito sexo. Por isso, use um ferro a vapor ou de caldeira. Já experimentei o de caldeira, agora uso um a vapor. Cumpre, é mais barato e não se avaria tento.

A técnica:
  1. Colarinho antes de tudo. Do avesso. Do direito. Depois dobre bem e passe o vinco.
  2. Passe os punhos. Avesso. Direito. De uma manga. Da outra.
  3. Agora vamos às mangas. Temos que começar pelas mangas. Absolutamente. Se fizer as mangas depois do resto, depois tem que refazer o resto. Se quiser experimente. Mas confie aqui no artista. Em qualquer processo, a preparação é tão importante como a execução. Antes de meter ferro no pano, alise quanto puder com as mãos, tentando que a camisa fique "bem" mesmo antes de começar. Uma parte do vinco, mesmo que esbatido e difuso, ainda lá está. Aproveite. Se não, pegue na costura ao longo da manga e dobre bem por ali. Alise com as mãos e dê derro. Com peso. Aí vai disto. Vá andando. Se não estiver confiante, vá virando de um lado ao outro com calma. Porquê? Porque se passar de um lado e houver "montinhos" do outro vai ver-se FODIDO para desfazê-los depois.
  4. Quando as mangas estão planas como o país do post ali em baixo, meta os ombros da camisa na extremidade mais fina e arredondada da tábua. Está a ver de que é que estou a falar? Não sei nomes técnicos das peças de tecido de uma camisa, mas é aquele naco de pano costurado na parte de cima das costas e que lhe vai assentar nos ombros. Ponha-o direitinho, rodando a camisa pela ponta da tábua e depois passe para o ponto 5.
  5. Ponha a mão no seu coração, como se estivesse a cantar o hino. Já está? Agora mais acima um bocadinho. OK. Imagine que é ESSA parte da camisa que assentará agora na tábua. Deixe ficar de esguelha. Conseguirá passar a parte que "cola" ao colarinho, uma parte das casas dos botões e um bocadinho do bolso (se o tiver). Chega também à costura da manga, que limpará de rugas qual peeling numa caneças. Agora vá chegando a tira das casas dos botões para cima da tábua até chegar à horizontal e passe sempre. Com força e, se quiser, alisando com a mão. CUIDADO: o ferro está ao rubro. Se calhar, a esta altura, já teve que abastecer o ferro de água e (várias vezes) o corpo de cerveja. Afaste-me esse braço do ferro (o seu, não o da camisa). Ou então pode comprar uma guerra. Veja a imagem. Não disse que isto tinha sido uma missão de alto risco? Se não disse, deveria ter dito.
  6. Rode a camisa até ter a costura que liga as costas à parte frontal (digamos assim, para simplificar) no centro da tábua. O sovaco (digamos assim, ...) está apoiado na extremidade da tábua. Dê ferro de ambos os lados na direcção da costura. Está a ficar um mimo. Vamos às costas.
  7. Esta parte é fácil. Excepto se as costas tiverem dois vincos verticais que dividem a parte superior em 3. A maior parte das camisas têm-nos. Paciência. Tente passá-los sem estragar. Se tiver dificuldades a endireitá-los, "desfaça" a parte inferior com os dedos e passe só um bocadinho. Para meter nojo. Atenção às mudanças de CD. Um professor da Taxista uma vez deu uma aula com uma camisa branca que tinha o ferro desenhado a castanho nas costas. A menos que seja um excêntrico intelectual, evite pousar o ferro na camisa quando for trocar de garrafa ou fazer xi-xi.
  8. Já está? Então continue a rodar e repita o ponto 6. Eu faço no sentido dos ponteiros do relógio, mas esteja à vontade. Não se acanhe.
  9. Termino na parte dos botões, passo entre estes para alisar e repito no sentido inverso o que fiz no ponto 5. Beba mais um golo da cervejinha e vá buscar outra. Afinal, haverá mais camisas para passar.
  10. Quando tirar a camisa, estenda-a com as mãos e aprecie o resultado. Se houver rugas, volte a estendê-la na tábua para dar AQUELE retoque.
  11. Continue a passar camisas, vai melhorar a cada repetição. Troque de garrafa (ou de cêdê) as vezes necessárias. Pendure a camisa numa cruzeta com o botão do colarinho apertado e os outros aperte botão sim botão não.
Conclusão:

É melhor, em podendo, pagar para que façam isto por si. Eu não posso. Por aqui, a 3 europeus a camisa, não é fácil. Ontem passei oito. Se pagasse, gastaria o equivalente a uma camisa. Fraca ou em saldos, mas uma camisa. É dinheiro.
Se for de outros tempos, ensine estas técnicas à sua mulher. Vai ver que ela consegue fazer isto de uma forma muito mais natural. Se fizer parte de um "casal moderno", foda-se. Faça como eu, curta uns copos e uma musiquinha.

9 comentários:

Taxi Driver disse...

Grande post de um homem moderno!
Posso comprovar a eficácia da técnica: camisas muito bem passadas. Não há vincos que resistam.
Comprovo também que a técnica embebeda e anima (as tais cervejas e cêdês). Costuma ser um bom começo de fim de semana.

Sim, é verdade! Nesta casa mosha-se! Até a passar a ferro... ;)

DomingonoMundo disse...

Sei de um gajo que, numa queima, se fartou de gozar com a licenciatura fictícia "Engenharia de passar a ferro". Agora, que se tornou um especialista, em vez de gozar, ensina. Sinais dos tempos!

Amil Neila disse...

LOOOL. Apanhaste-me. Mal imaginava. E olha que agora nem me lembrei disso, ou teria incluído na posta. Dassss

everything in its right place disse...

foda-se, desculpa lá, mas tu tratas os leitores do Paris Mosh por você??

everything in its right place disse...

Um dia em que precise de passar camisas a ferro venho cá estudar esta posta.

ai, as vantagens de viver na casinha da mamã...
;o)

Amil Neila disse...

Anónimo everything in its right place disse...

«foda-se, desculpa lá, mas tu tratas os leitores do Paris Mosh por você??»

Só quando o estou a ensinar a desenmerdarem as tarefas domésticas :-)

Carlos Silva disse...

Fantástica descrição, obrigado.

Será que podia colocar um post que ensine a fazer nós de gravata?

Amil Neila disse...

Carlos Silva, vou ver se faço isso. Palavra. Não é fácil. E vou precisar de fotos. De inspiração. E de tempo. Mas eu faço...

Anónimo disse...

Fantástico ! Absolutamente genial!! Não há nada mais deprimente do que a tarefa domestica !! Só com muito Gin!!!